sábado, março 25, 2006

O que será (à flor da pele)

O que será que me dá?
Que me bole no peito,
Que será que me dá?
Que brota à flor da pele,
Que será que me dá?
E que me sobe às faces
e me faz curar;
E que me salta aos olhos a me atraiçoar;
E que me aperta o peito e me faz confessar;
O que não tem mais jeito de dissimular;
E que não é direito ninguém recusar;
E que me faz mendigo, me faz implorar;
O que não tem medida nem nunca terá;
O que não tem remédio nem nunca terá;
O que não tem receita.

O que será; que será?
Que dá dentro da gente e não devia;
Que desacata a gente ter revelia;
Que é feito uma aguardente que não sacia;
Que é feito estar doente de uma folia;
Que nem dez mandamentos vão conciliar;
Nem todos os ungüentos vão aliviar;
Nem todos os quebrantos, toda alquimia;
Que nem todos os Santos,
Que será; o que será?
O que não tem descanso nem nunca terá;
O que não tem cansaço nem nunca terá;
O que não tem limite.

O que será que me dá?
Que me queima por dentro,
O que será que me dá?
Que me perturba o sono,
O que será que me dá?
Que todos os ardores me vêm atiçar;
Que todos os tremores me vêm agitar;
E todos os suores me vêm encharcar;
E todos os meus nervos estão a rodar;
E todos os meus órgãos estão a clamar;
E uma aflição medonha me faz suplicar;
O que não tem vergonha nem nunca terá;
O que não tem governo nem nunca terá;
O que não tem juízo.

Chico Buarque