sábado, novembro 26, 2005

Demian

O que me leva a escrever não sei. O que surge em mim nessas horas são sentimentos que ainda não se explicam; ou que eu não consigo explicar.
Mas escrevo, assim, por teimosia, por fuga, por desespero? Escrevo apenas, e não me sinto alegre nem triste, apenas poeta, apenas vítima desta miscelânea de incertezas que se alimenta de mim... Cada um é seu próprio mestre, seu próprio veneno.
Os loucos estão certos e custamos a venerá-los, as crianças e os bichos são a mesma alma, mas quando crescemos perseguimos deliberadamente a estrada errada, crendo, por orgulho, que somos seres diferentes – e diferentes de nós mesmos. Os deuses, os ideais e as moralidades nada mais são do que nosso reflexo disfarçado no espelho; o porto de nossas dúvidas, nossos medos e desejos mais íntimos.
Somos todos infinitos, somos todos os sonhos e pesadelos, somos anjos e demônios dentro do mesmo corpo, somos toda a História, todos os deuses e todas as civilizações, mas, por convenção, preferimos nos reduzir à mísera condição de homens. Somente homens.
Mundos loucos se criam e se destroem diariamente dentro de nós; e a cada noite nos renovamos – por isso é tão difícil render-se à rotina –, em nossa alma habita Zeus, habita Hades, lutam entre si Caim e Abel, a ambos morrem, ambos vencem e se entregam ao destino. Somos loucos mestres da sensatez e doce overdose de tristeza. Somos Judas e Jesus – e o primeiro é santo. Mas convenhamos, admiti-lo é muito mais difícil.
Assim nos evitamos. Assim nos enganamos, e mais cedo ou mais tarde descobrimos que nossa profissão, nosso piano e nosso rádio, nossos livros, tudo isso, são apenas enfeites. Que nosso Destino é encarar o espelho, e nos conhecermos, para só então termos a audácia de entender o mundo.